A transferência das operações da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento do Rio de Janeiro para Brasília e a adoção de regras mais rígidas para a emissão de registros de venda (RVs) para o etanol, consolidadas a partir de maio deste ano, têm levado o setor sucroalcooleiro a se preocupar com as exportações da mercadoria.
O DCI apurou que ao menos seis usinas produtoras de etanol com presença no mercado internacional enfrentaram problemas para embarcar o biocombustível no mês passado por conta de burocracias nunca exigidas anteriormente. O produto ficou parado por seis dias no porto até ter liberação concedida pela Secex. Estima-se um prejuízo diário de US$ 50 mil por empresa, totalizando perdas de US$ 1,8 milhão.
Um alto executivo de um escritório de advogados de São Paulo, que preferiu não se identificar, responsável pela representação legal de uma das usinas, revelou ao jornal que o ministério passou a exigir “até o reconhecimento de assinaturas de contratos de compra e venda” do produto a ser exportado.
“Há países para onde nosso cliente exporta que não deve sequer existir cartórios. Os processos passaram a demorar demais”, critica o advogado.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) informou que a carga das empresas ficou retida porque a documentação apresentada não estava correta.
O advogado destaca ainda que as usinas prejudicadas pela nova sistemática já se reuniram com autoridades em Brasília, mas cogitam ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso nada seja feito.
O diretor executivo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Eduardo Leão de Souza, é reticente sobre o assunto. “Estamos procurando entender melhor o ocorrido e em conversações com o governo a fim de buscar mecanismos para aperfeiçoar o sistema de exportação de etanol”, assinala.
Nesta semana, o secretário do Departamento de Operações de Comércio Exterior (Decex) do Mdic, Arthur Pimentel, se reunirá, em Brasília, com as partes envolvidas.
O Mdic ponderou ainda que o RV era uma exigência de quase todas as commodities e “continuou a valer apenas para etanol e café com anuência dos agentes do mercado, incluindo a Unica, com o objetivo de obter mais controle sobre o fluxo do produto no mercado a vista e para as vendas futuras. O descumprimento do RV, no todo ou em parte, poderá implicar na perda do direito de emissão automática do Registro de Exportação [ou seja, da autorização do embarque da mercadoria]”, assinala o texto da Portaria 36 do Diário Oficial da União, de 26 de novembro de 2007, que consolida a regulação questionada por empresários.
Mudança
O diretor-técnico da Unica, Antônio de Pádua Rodrigues, confirma a versão do governo e diz que as empresas precisam se adequar com os procedimentos, que ficaram mais rígidos com a centralização das atividades da Secex em Brasília.
“A questão do RV existe há muito tempo, a legislação foi acordada entre o setor produtivo e o governo. As liberações antes eram feitas no Rio e o serviço foi transferido [em maio de 2008] para Brasília, o que mudou foram as pessoas que analisam [os processos]. No Rio eram mais flexíveis. As novas pessoas agora são mais criteriosas, mudou o ritmo e as empresas não estavam esperando essa mudança. Passou a ter mais burocracia”, explica Pádua.
Segundo diretor da Unica, trata-se de um problema pontual. “Todas as empresas que cumpriram a burocracia foram liberadas. É mais um problema pontual do que qualquer problema de retaliação por parte do governo.” (leia matéria acima)
De acordo com o Mdic, a unidade da Secex foi transferida para a capital do País como medida de redução de custos e centralização de atividades, evitando com que operadores de tradings obtivessem atendimento diferenciado.
“No Rio de Janeiro, não havia supervisão e gastava-se muito com passagens aéreas. Por decisão do ministro Miguel Jorge, em Brasília, o atendimento será mais ágil e centralizado, sem favorecimentos”, informou a assessoria de imprensa do Mdic.
A mudança desfalcou a Secex, o que explica, em parte, demoras na liberação de alguns RVs. “Funcionários locados no Rio solicitaram aposentadoria ou transferência. Para recompor os quadros, o Ministério do Planejamento autorizou a abertura de concurso para a contratação de 40 profissionais”.
Embora não tenha sido afetado pelos critérios mais exigentes de liberação de registros de vendas (RVs) para exportação de etanol, com a transferência da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) para Brasília, o usineiro José Pessoa, presidente do grupo J. Pessoa, não acredita que o governo esteja criando obstáculos para a exportação de etanol, mas que o excesso de burocracia pode interferir negativamente no comércio exterior do biocombustível.
“Não fomos prejudicados porque nossas exportações foram registradas com antecedência, nossos contratos são antigos e de longo prazo, mas os novos contratos estão tendo problema e a situação pode piorar ao longo da safra deste ano se as burocracias não forem solucionadas”, prevê Pessoa.
Apesar das reclamações de parte do setor sucroalcooleiro contra as medidas do governo, as exportações de etanol do País cresceram em 2008. De janeiro a maio, foram comercializados 1,233 milhão de toneladas, somando US$ 692,2 milhões, contra 1,062 milhão de toneladas e US$ 611,5 milhões no mesmo período de 2007.
Autor: DCI