Um dos setores industriais de maior consumo de água, o mercado de celulose e papel se empenha para minimizar a geração de efluentes, com alterações inteligentes nas diversas seções produtivas, e começa lentamente a adotar tecnologias avançadas para reusar suas correntes, tendência que conta com pelo menos um caso já em implantação, em unidade da Klabin. Todas as iniciativas visam a gerenciar melhor o consumo elevado de recursos hídricos em processo de escassez e encarecimento, que no caso da produção de celulose chega a uma média de 30 a 35 m3 de água por tonelada produzida e na de papel de 15 a 17 m3 por tonelada.
“O caminho inevitável para o setor é o reúso de efluentes. Além de consumir muito, as empresas sabem que em breve vão incluir o custo dos planos de cobrança de água na conta da captação”, afirmou Nei Lima, coordenador da comissão técnica de meio ambiente da Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel (ABTCP). Segundo ele, por enquanto apenas os gastos com energia para a captação dos grandes volumes hídricos de rios e poços não é suficiente para justificar a compra de sistemas terciários mais sofisticados, como as membranas. “Mas quando começar de fato a cobrança, o retorno de investimento vai ser mais favorável com este gasto incluído”, completou Lima, também consultor e proprietário da empresa especializada Ecoáguas, de Guaíba-RS.
Aliás, o cenário imaginado pelo consultor pode ser considerado em formação, ao se levar em conta o que ocorre na atualidade na maior fábrica integrada de papel e celulose da América Latina, a unidade Monte Alegre da Klabin, em Telêmaco Borba-PR. Para suportar expansão na produção de papel-cartão, que passará de uma capacidade total de 700 mil t/ano para 1,1 milhão de t até o final de abril, a unidade precisou também ampliar sua estação de tratamento de efluentes. Já pensando em um cenário futuro de problemas com a disponibilidade de água, entre eles a cobrança pela captação no estado do Paraná ainda em 2008, a Klabin ousou adotar na ETE um sistema terciário com base em membranas de ultrafiltração, que removem sólidos em suspensão, bactérias e vários outros micropoluentes, com dimensões de poros de até 0,025 micrômetros.
Modelo na Klabin – O projeto na papeleira ganha importância especial por ser o primeiro do gênero no Brasil e na América Latina, podendo servir de modelo para uma possível adoção em cascata pelo setor daqui para frente. “Está todo mundo de olhos atentos ao que ocorrerá na Klabin”, confirma Nei Lima. Tendo em vista a riqueza do mercado, formado por grandes grupos exportadores de celulose e por empresas com investimentos em papel em ascensão, há grandes chances de adoção em massa dessas tecnologias.
De acordo com o gerente corporativo de meio ambiente da Klabin, Júlio César Nogueira, o investimento na ETE se baseou na política da empresa de manter a mesma carga de DBO e DQO que opera na atualidade, independentemente do aumento na produção. “Para isso, precisávamos obrigatoriamente melhorar a tecnologia do tratamento”, explicou. Continuar com o mesmo padrão de abate de DBO e DQO do efluente significa para a Klabin Monte Alegre operar em níveis abaixo do limite da legislação paranaense. No primeiro parâmetro, a empresa opera com padrão de 2 toneladas por dia, inferior às 3,6 t/dia da lei, e no segundo, com 12 t/dia, abaixo do limite de 15 t/dia.
Para conseguir a façanha, continuou o gerente, a Klabin chegou a pensar de início em instalar um tratamento físico-químico, com base em precipitação e sedimentação com floculantes, nos moldes de instalação na unidade da Riocell, em Guaíba-RS. “Mas logo descartamos a idéia, porque iríamos solucionar um problema e criar outro, ou seja, passaríamos a ter mais lodo para tratar e descartar, além de uma quantidade extra e indesejável de produtos químicos para manipular”, disse Nogueira.
A partir dessa conclusão, a opção por membranas, isentas de químicos e com aplicação contínua automatizada, foi se tornando factível. Mas essa decisão também foi fruto de comparações e avaliações entre sistemas disponíveis. O confronto aí ocorreu basicamente entre a tecnologia de biorreatores a membrana (MBR), que emprega membranas de micro ou ultrafiltração submersas ou em paralelo a reatores biológicos dedicados, e as unidades independentes de ultrafiltração, como sistema de polimento do tratamento.
A opção pela ultrafiltração, decidida “aos 48 minutos do segundo tempo”, segundo brincou o gerente da Klabin, tem fundamentos técnico-operacionais. No seu entendimento, a escolha se deveu por causa da maior flexibilidade operacional que a ultrafiltração ofereceria à unidade industrial. “Se um dia o MBR precisasse parar por algum motivo, correríamos o risco de interromper a produção”, disse Nogueira.
Com a decisão pela ultrafiltração, o risco deixa de existir, de acordo com o parecer da equipe técnica da Klabin. Isso porque a opção pelas membranas de ultra demandou investimentos em melhorias nas fases anteriores do tratamento, com aumento de capacidade e de qualidade das etapas biológicas, garantindo a operação dentro das metas da empresa, mesmo se a ultrafiltração deixa de operar.
Autor: Química e Derivados – Marcelo Furtado