Os críticos dos impostos não-declaratórios sobre movimentação financeira, mais especificamente ao projeto do Imposto Único, afirmam que por serem gerais, universais e com estrutura simplificada de alíquotas o governo perde a capacidade de calibrar o sistema de acordo com seus propósitos e de praticar políticas econômicas seletivas. Daí surge uma questão: afinal, qual é a função dos impostos?
Ao longo dos tempos os tributos passaram a ter funções extra-fiscais. Passou-se a acreditar que a redistribuição de renda e de riqueza, através da cobrança punitiva de impostos dos mais eficientes e mais poderosos, seria sua função essencial. O ativismo governamental e a política econômica keynesiana enfatizaram o papel dos impostos, e da isenção deles, como meios para alcançar o desenvolvimento econômico. Ecologistas e sanitaristas passaram a usar o sistema tributário como forma de proteção do meio ambiente, e de punição para infratores. Planejadores urbanos e regionais enxergam no sistema tributário mecanismos de indução para alcançar objetivos socialmente desejáveis. Agricultores, querem a reforma agrária pela tributação dos latifúndios. Instituições policiais enxergam nos impostos uma forma de identificar meliantes.
Em suma, todos procuram no sistema tributário a solução para seus problemas. Em 2001, o então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, afirmou: “isso serve apenas para demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos imprevisíveis, ditados por razões fortuitas ou motivos insondáveis.”
A ênfase na extra-fiscalidade dos tributos, ainda que legítima, vem se sobrepondo aos objetivos fiscais, tornando o sistema tributário brasileiro complexo e pouco funcional em sua função essencial que é a de arrecadar recursos para financiar o Estado. A estrutura tornou-se cara, ineficiente, corrupta e indutora das mais variadas formas de evasão.
O formalismo teórico, típico da burocracia pública e da academia, que busca identificar os impactos alocativos e distributivos dos tributos com milimétrica precisão, revela-se cada vez mais ilusório, dado que construído no campo da alta abstração. No artigo “Impostos e paradoxos”, publicado na Folha de S.Paulo em 28/4/98, Mangabeira Unger, atual ministro-chefe da Secretaria de Planejamento de Ações de Longo Prazo, abrange a necessidade de se resgatar a função fiscal do sistema tributário, afirmando que a visão acadêmica desdobra-se em meio a “ilusões edificantes e tranqüilizadoras”, mas “o mundo é selvagem e obscuro”. O autor afirma que mesmo impostos indiretos, e porque não cumulativos, podem “gerar muito dinheiro com pouco desarranjo econômico”, ao passo que impostos diretos e progressivos, tão caros aos economistas de gabinete, “como o Imposto de Renda sobre a pessoa física, não produz a receita necessária. Nem pode fazê-lo, por enquanto, sem acarretar desincentivos, fugas e evasões devastadoras”. Unger vai além, e diz que o essencial é gerar “dinheiro para o Estado investir no social”.
É preciso resgatar a função arrecadatória dos impostos no Brasil. Criar exceções beneficiando esse ou aquele segmento deforma cada vez mais o atual “Frankenstein“ tributário brasileiro. Ademais, a ênfase neste princípio básico das finanças públicas deve estar em sintonia com a realidade da estrutura do país, onde predominam a absurda complexidade, a brutal sonegação e o elevado custo para os agentes públicos e privados.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.
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Autor: Marcos Cintra