O crescente interesse mundial pelos biocombustíveis, notadamente o etanol (nosso velho e conhecido álcool), tem provocado em vários países discussões sobre a competição do uso da terra para a produção de alimentos e de energia. Aliás, essa discussão não é nova em nosso país. Já na década de 70, no início do Proálcool, se dizia que a expansão da cana-de-açúcar poderia destruir o meio ambiente e intensificar a fome no país. Passados 30 anos, essa tese se mostrou sem fundamento. Enquanto que a indústria da cana-de-açúcar cresceu significativamente e trouxe desenvolvimento econômico e social para diversas regiões, particularmente no Centro-Sul, o Brasil se tornou um importante produtor e exportador de alimentos (grãos, carne, açúcar etc.). Nesse contexto, a questão da fome, infelizmente ainda persistente no país, deve ter as suas causas melhor entendidas. Diversos especialistas, inclusive a economista Amartya Sen (Prêmio Nobel em 1998), acreditam que a fome resulta principalmente das dificuldades para compra de alimentos, devido o desemprego e baixos salários. Não é por outra razão que o programa Fome Zero concentra as suas ações no aumento da renda da população mais carente.
As críticas de alguns ao aumento da produção de etanol no Brasil são frequentemente baseadas nas condições de outros países, e feitas sem o conhecimento da realidade nacional. Um bom exemplo é o caso da produção de etanol a partir de milho nos EUA, que tem provocado alta dos preços do grão no mercado internacional. Buscar de maneira simplista uma analogia entre os produtos do milho e da cana-de-açúcar, como tem sido feito, leva a equívocos visto as peculiaridades dos respectivos mercados. Vale notar que recentemente os preços do milho aumentaram enquanto que os do açúcar caíram.
Nos últimos 25 anos a expansão do cultivo da cana se deu essencialmente no Centro-Sul, principalmente no Estado de São Paulo, onde a cultura geralmente dispensa irrigação. Trata-se de áreas distantes dos biomas da Floresta Amazônica, Mata Atlântica e Pantanal. Esse fato é relevante pois é comum a crença de que a cana estaria invadindo áreas florestais. Hoje, apesar de em alguns casos a expansão resultar em substituição de culturas, o crescimento vem ocorrendo, sobretudo, em áreas de pastagem. Não se imagina expansão em qualquer área de florestas ou biomas protegidos, mesmo porque a legislação vigente não permitiria.
Segundo o Ministério da Agricultura, as áreas cultivadas com espécies comerciais (soja, milho, feijão, arroz, cana etc) totalizam hoje 62 milhões hectares e podem, futuramente, ser complementadas por mais 90 milhões hectares aptos à expansão da agricultura. Do lado da preservação ambiental existem 465 milhões hectares de áreas de florestas e matas. Comparativamente, a área ocupada pela cana-de-açúcar para produção de etanol é de aproximadamente 3,3 milhões hectares (apenas 0,4% do território nacional). Para produzir os 36 bilhões litros projetados para 2012, essa área deve aumentar em torno de 70% (menos de 0,7% do território nacional).
Portanto, fica evidente que o Brasil, com suas dimensões continentais e estoque de terras agricultáveis, pode sustentar a produção agrícola de alimentos e etanol, mantendo ainda preservadas grandes áreas de florestas e matas nativas. Por outro lado, a maior inserção do etanol na matriz energética possibilita significativos benefícios ambientais, particularmente na redução do gás carbônico, um dos principais responsáveis pela intensificação do efeito estufa e o conseqüente aquecimento global.
Alfred Szwarc, engenheiro mecânico, especialista em meio-ambiente e combustíveis renováveis, é Diretor da consultoria ADS Tecnologia e Desenvolvimento Sustentável.
Autor: Engº. Alfred Szwarc*